Cada vez entendo mais que os princípios, práticas e ferramentas que aprendo na Criação com Conexão ou em qualquer outra metodologia não devem servir para substituir antigos hábitos. Trocar um hábito por outro é tentar melhorar o que está ruim. O que quero é ser o criador da minha vida, da minha jornada. Então uso as práticas como pontes de passagem que ajudam a transformar minhas emoções e me possibilitar criar respostas inéditas a cada momento. Nesse texto, compartilho um exemplo de como estou fazendo isso. E te convido a criar seus próprios processos criativos para uma vida mais potente. Se quiser trocar ideias sobre isso e apoiar meu processo de desenvolvimento, experimente o Grupo Conexão Pais e Filhos.
O Prato Azul: ou a escuta do choro como prática de transformação
Hora do almoço em casa. Eu, minha esposa, dois filhos (uma menina de 5 e um menino de 3 anos) e um amigo nosso. Coloco os pratos na mesa e chamo as crianças para comer. Minha filha chega por último. Olha um prato com borda azul no lugar que estava sobrando, olha pra mim e diz em tom de reclamação: “Eu não quero esse prato!”. Eu escuto aquilo. Não sinto raiva nem fico chateado. Antigamente eu ficaria, pois teria certeza de que ela estava me desafiando. Sinto vontade de me aproximar dela e escutar com mais atenção para saber o que está por trás daquela fala, principalmente do tom que ela usou. Olho pra ela e digo calmamente: “Hoje vai ser esse prato”.
Você pode estar se perguntando: “Por que não trocar logo o prato e resolver o problema?”. Porque o problema não é o prato. Não querer o prato é apenas um sintoma. Se eu não escuto esse sintoma, outro mais forte e mais difícil vai surgir para continuar me avisando de que há algo atrapalhando minha filha. Você já se pegou “resolvendo” cada pequena reclamação do seu filho e, em vez da reclamação acabar, ela só foi aumentando até que em algum ponto você explodiu? Pois bem, isso acontecia muito comigo; até eu começar a estudar a Criação com Conexão, desenvolvida por Patty Wipfler. Entendi que a causa da reclamação é uma sensação física e mental de desconexão sentida pela criança. Somos seres de conexão. Precisamos de conexão para funcionar bem, para aprender, para nos relacionarmos, enfim, para nos criarmos.
Quando falei que aquele seria o prato dela, minha filha se jogou no chão chorando e gritando: “Eu não vou comer nesse prato!”. Minha percepção estava correta. Ela não precisava de outro prato, ela precisava de conexão. Sei disso pois, em vários outros almoços, ela comeu sem nem notar que prato estava usando. Em outras refeições, ela nem pedia para trocar de prato, ia sozinha no armário pegar o que ela queria. E em outras, ainda, quando eu negava a possibilidade de trocar de prato, ela simplesmente ouvia e começava a comer. Ou seja, já presenciei minha filha na mesma situação, mas com as emoções fluindo e, portanto, com a capacidade de ação amplificada. Quando ela se jogou no chão, chorando, percebi que havia muitas emoções estagnadas que precisavam sair de dentro dela. Tenho certeza de que, ao longo do dia e da semana, muitas frustrações foram se acumulando dentro dela e, por qualquer motivo, ela não pôde extravasar. Talvez não houvesse um adulto de confiança por perto para ela poder chorar ou talvez ela estivesse cercada de crianças e não queria chorar naquele momento.
O que importa é que, ao parar tudo o que eu estava fazendo e colocar-me à disposição para a conexão e empatia, minha filha sentiu a segurança necessária para colocar tudo pra fora. Ela chorou e gritou por uns 10 minutos. Disse coisas como: “Vou quebrar todos os pratos da casa!”. Vocês imaginam uma princesa meiga de 5 anos falando isso? Ficou claro que o que estava sendo extravasado ali era muito mais do que a frustração por não ter trocado o prato. Durante todo o tempo, fiquei escutando seu choro e seus gritos de forma presente, procurando os olhos dela e falando muito pouco. Quando eu sentia que o choro estava diminuindo ou que ela estava se distraindo do processo de extravasar eu soltava uma frase assim: “Hoje vai ser no prato azul”. Esse tipo de frase, falada poucas vezes e de maneira calma, faz com que a que a criança continue o processo de choro e gritos que estão limpando seu sistema emocional. Quando a criança já extravasou o suficiente ela ouve essa frase (que 20 minutos antes causaria muito choro) de maneira tranquila e isso nos dá um sinal de que o processo está chegando ao fim.
Em determinado momento, ela saiu correndo e eu fui atrás. Ela deitou no chão da cozinha com o rosto pra baixo. Eu disse: “Vou levantar seu corpo”. Eu queria manter o contato com os olhos dela, pois isso facilita o processo de extravasar. Ela fez muita força pra baixo quando eu tentei levantá-la pela barriga. Nesse momento, veio uma intuição forte: “Tente levantá-la, mas não consiga. Deixe ela fazer essa força pra baixo”. E foi isso o que fiz. Eu fazia força para levantá-la, mas deixava que ela vencesse. Eu falei: “Que forte!”. Ela respondeu: “Eu sou muito forte!”. O choro foi passando, os gritos diminuindo e ela começou a pedir: “Pai, faz de novo! Tenta me levantar! Eu sou muito forte!”. E fizemos isso mais umas cinco vezes. Ela então virou-se pra mim, olhou nos meus olhos e perguntou: “Posso trocar de prato?”. E eu respondi com calma: “Não. Vai ser o prato azul”. Dessa vez, ela não chorou, nem gritou. Olhou bem nos meus olhos e disse com um sorriso: “Tive uma ideia! Posso pegar um outro prato e comer um pouco de comida em cada um?”. E eu disse: “Sim”. E por que eu disse “sim” nesse momento? Porque eu senti que ela estava completamente conectada, fluindo e em plena criação. Ela criou uma alternativa que, antes dela extravasar, não existia. Ela pegou o outro prato.
Colocou um pouco de comida em cada um, comeu tudo, comeu um monte de alface (que geralmente precisamos dar uma incentivada para ela comer), conversou comigo, com meu amigo e passou uma ótima tarde. Colocar limite (“vai ser o prato azul”) e escutar o choro são práticas de conexão que ajudam a criança a extravasar emoções estagnadas e a voltar a funcionar no seu máximo potencial. Contudo não são ferramentas que devem ser usadas como receitas rígidas. Nessa prática, o mais importante é a presença, a amorosidade e a empatia momento a momento com a criança. Mas como ter isso no meio da correria do dia a dia? É preciso estar 100% zen antes de colocar o limite e escutar? Não. Tenho descoberto que o próprio
processo de escutar o choro dos meus filhos me ajuda a retomar minha conexão, minha presença.
Sim, é importante nos trabalharmos. Eu, por exemplo, faço duas Parcerias de Escuta semanalmente, em que posso extravasar as minhas emoções, o que me ajuda a ouvir o extravasar dos meus filhos de forma empática. Além disso, faço aulas da Técnica Alexander com a Ana Thomaz e comecei a utilizar as referências da Byron Katie para tentar me livrar das crenças que fazem com que eu tenha emoções fixadas.
Tive a oportunidade de conversar com a própria Patty Wipfler sobre este episódio e falei que as ferramentas ou práticas da Criação por Conexão, estão servindo como pontes para a minha transformação. Cada vez que escuto o choro dos meus filhos vou me tornando uma pessoa mais empática. Ela respondeu que é exatamente isso o que acontece quando fazemos as práticas da Criação com Conexão. Elas são como uma porta de entrada para uma jornada de transformação pessoal e familiar.
Ao ouvir essas palavras de uma mulher de quase 70 anos de idade, que dedicou 40 anos de vida para desenvolver e compartilhar a Criação com Conexão, tive clareza de que ela não quer criar “repetidores” de técnicas. Ela desenvolveu algo que serviu a ela e colocou à disposição do mundo para que outras pessoas possam criar seus próprios processos. Senti que ela não quer seguidores, mas sim aliados. Nós somos seus aliados na medida em que criamos nossos próprios processos e práticas de transformação.
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