Teoricamente, o sono não deveria existir!
Faz pouco sentido para a perpetuação da espécie animais perderem a consciência por horas, diariamente. O custo para a sobrevivência é astronômico!
Afinal, um animal dormindo é muito mais vulnerável do que um acordado. Portanto, quaisquer que sejam a funções do sono, elas são vitalmente mais importantes que o custo desta vulnerabilidade.
Na história da espécie humana, a noite desempenhou papel definitivo. Pela fisiologia dos órgãos visuais, pode-se concluir que a atividade noturna do homem primitivo era mínima, e que para o sono, precisava de abrigo¹. A maioria dos grandes mamíferos tem hábitos noturnos de caça e diurnos de sono. Para sobreviver, portanto, o homem desenvolveu mecanismos de alarme - uma vez que nossa visão no escuro fica limitada - contra o perigo
Humanos possuem dois estágios definidos de sono: o leve, um estado de semiconsciência onde ocorre o sono REM (nosso cérebro está tão ativo que se parece com um totalmente acordado: não é à toa que o REM é chamado de sono paradoxal!) e o sono profundo, onde há perda de consciência e dos sentidos. Ao longo da noite, nós e os bebês alternamos várias vezes entre os dois estágios. O sono leve então me parece um mecanismo de seleção natural bem interessante para a evolução de nossa espécie, tendo em vista a eminência do perigo constante durante o sono do homem primitivo.
Sendo o sono um estado comportamental reversível de desprendimento e inconsciência², e levando em consideração esta programação ancestral, devemos entender que a natureza do sono, passa - essencial e biologicamente - pela insegurança e vulnerabilidade do indivíduo. Para haver entrega, é necessário um vínculo de confiança inabalável com o ambiente e com os cuidadores.
A inabilidade do bebê em fazer transições de estágios de sono, quando muito pequeno, é de sua natureza. Acordar a cada ciclo de sono leve é uma programação biológica. O choro devidamente atendido, então, assume importância fundamental para a formação dos vínculos e o estabelecimento do laço afetivo familiar. O bebê precisa ter confiança máxima em quem lhe está ajudando a se acalmar para adormecer, pois só assim é possível seu relaxamento físico e mental.
Uma das maneiras mais eficientes para construir confiança é a aplicação de uma mesma rotina diária que traga previsibilidade para o bebê. Mas além deste ponto básico, o adulto que o ampara precisa ter autoconfiança, segurança emocional, firmeza e tranquilidade para envolver aquele serzinho que chora pedindo ajuda em um momento de fragilidade extrema, demonstrando a ele que jamais ele estará sozinho, enquanto não estiver pronto.
Texto publicado na edição de abril/2018 da Revista Travessura. Arte de Verônica Calandra
¹ Medicina da noite: da cronobiologia à prática clínica Jansen, José Manoel et al, 2007 ² Como definição, por Carskadon, M. A., & Dement, W. C.
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