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A dualidade e o equilíbrio da criança


Existe um delicado equilíbrio de fluidez de energia na criança pequena que, em geral, muitos pais e cuidadores desconhecem: a criança pequena flui por sua natureza em um ritmo semelhante ao da respiração, onde há o inspirar e o expirar, com períodos alternados de concentração e expansão.

Na fase de inspiração ou concentração, a criança direciona sua atenção para uma atividade que a relaciona a seu universo interior.

São basicamente atividades que envolvem foco e/ou cognição para serem realizadas, como comer, dormir, desenhar e atividades manuais como um todo. Já no período de expiração ou expansão, a criança se relaciona principalmente com o mundo externo. Crianças expandem brincando livremente, correndo, gargalhando e gritando, etc. Para cada período de inspiração a criança precisa de um período de expiração e assim seu ritmo diário é estabelecido.

Quando a criança está em um momento de inspiração, ela deseja, necessita e exige o vínculo e a presença real dos pais. Se esta presença é satisfatória - e aqui falo mais de qualidade do que de quantidade - a criança será, então, capaz de se separar para ter seu momento de expiração, para fora. Se você sabe que esteve de fato presente, você pode esperar de verdade que sua criança encontre algo para fazer por ela mesma. Nós, como pais, no momento de expiração devemos fazer nosso trabalho e a criança deveria ser capaz de fazer o dela, que é brincar. Isso só é possível se a criança sente que você realmente esteve com ela num momento anterior de inspiração, para dentro.

E assim se dá o momento do sono. Crianças amam pequenos rituais antes da cama, cheios de vínculo e presença dos pais. A começar com um banho quentinho na penumbra das luzes das velas, com contato pele a pele. Contar histórias, cantar canções tranquilas, fazer carinho - sempre no escuro ou com pouca luz e no próprio quarto de dormir da criança – enchem-na com a presença real dos pais e a prepara para a separação que o sono significa. É muito difícil para a criança se apartar de você se ela não sentiu sua presença realmente. Mas, se você esteve presente de verdade, então você pode beijá-la e colocá-la na cama e esperar que sua criança seja capaz de dormir sozinha, e isso é saudável para ela.

Quando esta dualidade não está em equilíbrio no dia a dia, as emoções da criança se estagnam e muitas frustrações se acumulam, gerando um processo de limpeza emocional, erroneamente chamado de “pirraça”, “birra” ou “manha”. A causa da reclamação quase sempre é uma sensação física e mental de desconexão sentida pela criança. Desconexão pela ausência de presença e de ritmo. Então vemos crianças gritando e exigindo coisas de seus pais: “Quero sorvete! Quero isso! Quero aquilo!”, mas nada disso é uma real necessidade. É apenas um sintoma, que se não for devidamente ouvido, trará outro mais forte e mais difícil com o tempo e que mesmo solucionado, não levará a solução da causa: a desconexão.

Colocar limite e escutar o choro da resposta ajudam a criança a extravasar emoções estagnadas e a voltar a funcionar no seu máximo potencial. Mas para ajudar os pequenos a se solucionarem na causa, o mais importante é a presença, a amorosidade e a empatia momento a momento com a criança, buscando proporcionar a ela um equilíbrio fino nesta gangorra diária do universo infantil.


Texto publicado na revista DOC mix edição de março de 2018.




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